quarta-feira, 26 de junho de 2013

República, democracia e orçamento público

Em Porto Alegre, 1989, o primeiro governo do Partido dos Trabalhadores na cidade foi conquistado com o Olívio Dutra (bancário e sindicalista) como prefeito. Na época eu morava em outra cidade, no interior do estado, e acompanhava de longe o intenso movimento político. Lembro de duas ações que foram marcantes: a primeira foi a encampação das empresas privadas de ônibus pela Prefeitura. A confusão foi grande, o saldo negativo ficou em uma indenização monstruosa que não sei se até hoje foi paga, por fim, as empresas foram "devolvidas" à iniciativa privada paulatinamente, mediante contratos de concessão muito mais rígidos que garantiram à população de Porto Alegre ônibus mais novos e confortáveis (a renovação da frota com menor tempo de uso do que se tinha até então), regularidade no serviço (intervalos menores de tempo), etc. A Carris, que era a empresa de transporte público (e que continuou sendo pública), ganhou por vários anos o prêmio de melhor empresa do Brasil. Enfim, o saldo positivo foi muito superior porque a qualidade do transporte melhorou muito. Ainda estabeleceu-se o passe livre em todas as empresas: um domingo por mês de passe livre para todos, o que possibilitava que famílias numerosas pudessem passear pela cidade sem o pagamento de passagem.
A outra política que, mais tarde acompanhando em loco, pude observar como um avanço significativo da democratização foi o orçamento participativo na cidade (e depois o orçamento participativo escolar).
Combater a corrupção, por meio de investigações que foram potencializadas no Governo Lula ao reestruturar a Polícia Federal (com pessoal via concurso e recursos de trabalho) é fundamental, mas a raiz da corrupção está em um estado não democratizado em sua formação e no acompanhamento de sua ação.
Não basta votar, mas é preciso ter condições de votar em quem realmente defende as mudanças/transformações que você deseja. A origem da subordinação do estado aos interesses privados está muito antes do que o seu efeito final, que é a corrupção. Duas ações são importantes:
- o financiamento exclusivamente público de campanha, que fará com que os candidatos e Partidos que representam interesses populares tenham condições de participação iguais aos que representam as oligarquias, os latifundiários, os industriais (a proposta de financiamento por pessoa física também deve ser evitada);
- a inserção mais direta do povo no controle do estado, via conselhos populares (fiscalizadores de fato dos contratos e direitos populares, de forma muito diferente das Agências de regulação - ANAC, ANATEL) e aprovação direta do orçamento (isto a ser experimentado - via online),  a possibilidade de criação de conselhos populares nos municípios, estados e união, aprendendo a lidar com o orçamento público (em Porto Alegre isto foi possível e no estado do Rio Grande do Sul foi ensaiado) e se apropriando das metodologias de elaboração e controle deste orçamento. A reação da Câmara de vereadores, no caso de Porto Alegre, foi muito ruim, é claro, porque seu principal instrumento de barganha política - a aprovação do orçamento - passou às assembleias do orçamento participativo (participação direta da população). Embora contrariada em seus interesses, a Câmara municipal teve que se submeter (abaixo disponibilizo um texto que explica melhor esta disputa). Já no caso do estado do Rio Grande do Sul, a Assembleia legislativa, desde o impedimento da utilização de carros do governo (executivo estadual, na época governador também o Olívio Dutra) para organização das assembleias regionais do orçamento participativo do estado, até o questionamento constante da legalidade da prática, impediu que a experiência se expandisse.
Mais detalhes sobre o orçamento participativo da cidade de Porto Alegre e do orçamento participativo escolar em:

http://www.cnpcjr.pt/downloads/Barcelona_Orcamento%20participativo%20escolar_Artigo-1.pdf

Não basta o portal transparência, para que os especialistas saibam onde o dinheiro público está sendo gasto, é preciso que o povo participe da elaboração do orçamento, possa defender de forma prática e direta os seus interesses, aprovar o orçamento e, por fim, contar com conselhos populares que fiscalizem sua execução.
Não basta o direito ao voto, para que possamos eleger àqueles que efetivamente defendem nossos direitos; precisamos de uma nova lei de imprensa, que nos possibilite acesso a informação com espaço para o contraditório em cada reportagem, padrões mínimos de qualidade da informação que circula em concessões públicas de rádio e televisão, metas de prestação de serviço social a serem cumpridas (e fiscalizadas por Conselhos populares) e de financiamento EXCLUSIVAMENTE público dos candidatos.
Em uma República que se quer democrática, o combate à ignorância e a corrupção não podem ficar nos efeitos, na casca, naquilo que aparece na superfície. Neste sentido, precisamos ser radicais: ir à raiz das questões.

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