sábado, 19 de dezembro de 2020

Série 8 em Istambul: exercício intercultural, provocações pra ver de jeitos outros

A série 8 em Istambul (dirigida por Berkun Oya, 2020) é uma das melhores séries que assisti este ano. Meu olhar, em todos os sentidos da palavra, foi submetido a um exercício filosófico-intercultural-prático (rsrsrs) fundamental para os desafios que as mudanças sociais nos provocam, desde que outros costumes, ligados à vestimenta, religiosidade, relações familiares são colocados em convivência com costumes antagônicos, em um mesmo território. 

O jeito que a câmera acompanha estes "encontros" entre costumes divergentes é muito interessante: as imagens são mostradas de forma mais "fechada" nos primeiros episódios, e vão se abrindo lentamente. A câmera nos permite viver o que a série provoca: conforme o que vemos, entendemos. O nosso olhar vai mudando, tanto pela forma como a câmera mostra os espaços, quanto pelo que conseguimos ver dos personagens: pouco a pouco, exigindo um exercício de percepção contínuo. A nossa "vista" vai alcançando aspectos da história que nos permitem entender melhor o outro, identificar traços culturais comuns e distantes que convivem num mesmo território. A fotografia do filme "enquadra" o que se vê da realidade, e vai alargando o campo de visão aos poucos, mais ou menos o que pode acontecer com a nossa vida, se nos mantivermos atentos e abertos ao tanto ao novo quanto ao tradicional, que nos chegam quando deixamos de enxergar um único padrão cultural como possível.

Podemos fazer uma analogia entre o que Paulo Freire destacava como realidade vivida e realidade percebida e o papel da educação dialógica no processo de percepção mais ampla da realidade. Embora Freire tenha o foco em percebemos mais sobre nossa própria existência (sem negar as implicações coletivas desta existência) e o filme tenha um "compartilhamento" entre existências culturalmente antagônicas (em algumas questões), o movimento de percepção é o mesmo. O filme dialoga com nossas percepções (tal como Freire fundamenta sua proposta), as conduzindo por caminhos complexos, mostrando que nada "apenas é", mas que as situações "estão" em construção. Um exemplo envolve o consultório da psicanalista: no primeiro episódio, o que a imagem "mostra" dele, e das personagens, nos induz a percepções que se quebram, ou se complexificam, no desenrolar da história. O enquadramento da filmagem "desenha" para o espectador esta questão: o que vemos depende de onde a câmera nos deixa ver, de onde nossa visão alcança. As imagens mudam de ângulo, especialmente de "enquadramento": se é fechada, se é aberta, de cima para baixo da rua, ou de cima para baixo do apartamento urbano, da casa na zona rural; se é lateral, se é diversa, por olhos outros, de personagens outras, a mesma cena, circunstância, personagem, se apresenta diferente. O ambiente é diferente, a persona é diferente, e as possibilidades de contato, compreensão, passado e futuro são diferentes. Na primeira vez que vemos o consultório da psicanalista, o enquadramento que a câmera nos dá, e a conversa que assistimos entre Meryem (Öykü Karayel) e Peri (Defne Kayalar), nos levam a construir uma imagem de como seria o consultório, onde ele estaria situado, quem seria Meryem e quem seria Peri, muito diferente do que o próximo enquadramento, no próximo episódio, vai demonstrar e assim, sucessivamente, sobre as 8 principais personagens, enredadas, como o símbolo do infinito (também representado no 8), pode nos sinalizar. Estas mudanças de lugar onde a câmera se situa vai ampliando e complexificando nosso olhar sobre espaços e personagens, até o último episódio. E isto vale para as 8 personagens: Meryem (Öykü Karayel), Peri (Defne Kayalar), Ruhiye (Funda Eriygit), Yasin (Fatih Artman), Sinan (Alican Yücesoy), GulbinTulin Özen), Melisa (Nesrin Cavadzade) e Hayrunnisa (Bige Onal). [considerar que os nomes dos atores podem não estar corretamente grafados, uma vez que encontrei grafias diferentes na Internet]

A série também aparece (na internet) com o título de Ethos e, de fato, as relações em evidência na série são perpassadas por práticas culturais ora comuns (a troca de sapato na entrada das casas), ora em conflito (o uso/não uso do véu, uso/não uso da religião, uso/não uso da psiquiatria), ora em encontros. São subjetividades que se misturam, apelando para a ideia de que existem elos, práticas, percepções que se assemelham, de forma a cruzar as fronteiras de gênero, classe social, religião. A solidão de Ruhiye aparece em Yasin, está em Sinan e, de certa forma, perpassa as diferentes personagens, sejam elas principais ou periféricas. As verdades parciais, as meias mentiras, as possibilidades e as rupturas, mas, sobretudo, a continuidade de todos em todos, novamente, a expressão do 8 como infinito. 

O nome original é Bir Başkadır; assisti na Netflix.

Aqui acesso a ficha técnica: https://filmow.com/8-em-istambul-1a-temporada-t308649/ficha-tecnica/



segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Palestra "Os Desafios para a Escola em 2021", Grupalfa, Conversas com Professoras, UFF

 Aqui vocês encontram os slides que utilizei em nosso encontro de hoje, 07.12.2020, no evento Conversas com Professoras, do Grupalfa, UFF.

Eu gostaria de ter um pouco mais de certezas, mas, na ausência destas, para este momento tão delicado, trouxe meus desejos de que percebamos o quanto mais complexo é o momento em vivemos, longa a jornada de transformação que precisamos e coletiva a luta a travar. 

Um abraço e meu obrigada a quem compareceu.

Slides Os Desafios para a Escola em 2021