sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Cortinas de fumaça ou dois campos de combate?

Ontem circulou um vídeo da Ministra dos Direitos Humanos do Governo Bolsonaro, parecia ser uma cerimônia oficial, comemorando que o Brasil teria chegado em uma nova era, e esta nova era seria na qual os "meninos vestem azul e as meninas vestem rosa". Esta fala remete, resume, sintetiza parte da leitura que levou este governo ao poder, de que o Brasil estava sendo assaltado por uma quadrilha defensora dos gays, das feministas e dos negros, que, além de promover a corrupção, promovia o fim da família brasileira. Isso porque, para determinado tipo de pessoa, a única família admitida é a que tem um pai que provê financeiramente a família e que, assim fazendo, tem o direito de propriedade sobre a mulher e os filhos. Nesta família, só podem continuar sendo filhos aqueles que performatizam a sua sexualidade de acordo com o sexo de seu nascimento (eu não sei qual seria a opção dos hemafroditas, nestas famílias, mas isto não vem ao caso). "Performatizar de acordo com o sexo de seu nascimento" significa apresentar para a sociedade a afirmação de uma série de estereótipos (imagens que não correspondem à realidade, mas que fazem parte de um imaginário, ex.: crianças são fofas; mulheres são burras; homens são valentes). Nascer menino, para esta gente, significa ser mais forte que a menina, falar grosso, não chorar, lutar para crescer e superar os outros na vida, ser dominante, ter força física e saber jogar bem futebol, além de querer ter como companheira de vida uma mulher, acreditar que ela é a que tem mais responsabilidade de cuidar da casa e dos filhos, "usar azul nas suas roupas". Ser mulher, "perfomatizar como mulher", é ser frágil, falar com voz suave, chorar quando não tem atenção suficiente ou for machucada, enfeitar-se para atrair o homem, o qual deverá prover a família e a casa, responsabilizar-se por seu "amparo" naquilo que seriam as "lides do lar". Durante muito tempo este foi um pensamento comum e pouco questionado, mas a persistência do conhecimento, dos estudos sobre a sociedade, dos protestos de homens que não perfomatizam como o imaginário social conservador supõe que devem perfomatizar, e mulheres que não perfomatizam do jeito que o imaginário social conservador esperava que perfomatizassem, foi mudando, e este processo de mudança ainda não se conclui. Mesmo as pessoas que entenderam o erro dos estereótipos (porque estereótipos criam universais que não se sustentam, há muitas maneiras de ser homem, mulher, gaúcha, nordestino, negra, gay, engenheira, professor), se perdem, algumas vezes, ao relatarem ou avaliarem uma situação, com base em estereótipos dos quais querem se livrar, é o caso de uma professora, por exemplo, que para reclamar do diretor de uma escola, por atitudes que ela julgue ser "fracas", o chame de "veado".
Voltando à atitude da Ministra, tem muita gente boa analisando que essas frases de efeito são "cortina de fumaça" para que a população fixe a discussão nestas questões que abordam costumes e não percebam a gravidade do momento econômico e político: motorista que recebe os salários dos funcionários do Gabinete "de volta" e deposita parte deste dinheiro na conta da primeira dama; depósitos empresariais que financiaram a campanha de Bolsonaro via watsap, e que se configuram em caixa 2 de campanha; das propostas de privatização; denúncias em relação à ONG da qual a Ministra participa, etc. Eu entendo estas análises (que destinam este lugar de "cortina de fumaça" para o que é anunciado verbalmente) e concordo em parte. Em parte, porque quando a Ministra diz "meninos vestem azul e meninas vestem rosa" existe um efeito prático e imediato na sociedade. Foi muita luta para contradizer e desmistificar essa mensagem, são anos de trabalho na formação de professores tentando colaborar para que docentes percebam a ligação entre isto (esse pensamento dela que expressa um pensamento muito forte a 20 anos atrás) e a desigualdade social, política e econômica entre homens e mulheres. Eu penso que hoje devem ter muitas crianças sendo agredidas pela cor que usam, mais do que ontem, assim, por uma simples frase dita por alguém que, no cargo em que ocupa, deveria defender estas crianças agredidas em seus direitos de, no mínimo, usar a cor que quiserem (sem falar em outros direitos - comer, estudar, ter lar, teto, renda mínima familiar para seu sustento) e não contribuir para que sejam agredidas.
Eu penso que dizer isso (meninos vestem azul e meninas vestem rosa) é de uma irresponsabilidade e causa um mal social suficiente para exigir que ela saia do cargo que ocupa. Preocupa-me, também, não responder a estas agressões à Constituição que são anunciadas, e realizadas, por meio da linguagem. Eu concordo, em parte, com a ideia da "cortina de fumaça", porque essas frases e ideias que despertam de um passado horrível (de submissão feminina aos mais absurdos atos machistas, sexistas) e de fato atraem toda a mídia e a pauta para isso, mas não responder me parece, ainda, apostar que pela discussão só das propostas econômicas deste governo, conseguiremos reverter o quadro conservador que chegou ao governo. Da discussão econômica, pouca gente sabe, pouca gente entende e pouca gente tem interesse em saber. As pessoas preferem as soluções mágicas na economia, como se bastasse eleger este ou aquele, que tudo se resolveria, e isso também precisa ser combatido. Eu penso que há ligação entre a "aprovação" do governo e: (1) esta postura reacionária e, (2) o neoliberalismo que ele pretende na economia. No meu entendimento,  este pensamento conservador que lhe assegura votos, simpatia, e por isso penso que devemos trabalhar na denúncia destes discursos também, porque eles têm um poder de jogar para exclusão social e econômica muita gente, a exclusão não se dá apenas pelas propostas econômicas defendidas pelo neioliberalismo. Acho que são dois campos de combate, para quem defende uma sociedade outra: as questões ligadas ao neoliberalismo e as questões ligadas ao conservadorismo, um combate não pode substituir o outro. 

Um comentário:

Anônimo disse...

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