terça-feira, 28 de abril de 2015

Pátria Educadora: o que poderia ter sido

Circula por e-mail o documento preliminar “Pátria Educadora"
Basicamente o documento (ainda mal estruturado), assumido pelo Ministro Mangabeira Unger em nome da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, é organizado com as seguintes ideias:
Pontos de partida
1. Orientação empresarial (literalmente assumida)
2.Mudar a maneira de ensinar e aprender (ainda bem, já pensou se isto não fosse citado? Mas o faz com um apelo fortemente ligado ao discurso das competências emocionais, no documento chamadas de pré-cognitivas, e do trabalho em cooperação)
3. Sistema Nacional de Ensino que organize a diversidade sem uniformizar (avaliação nacional de pessoas - diretores e professores; currículo nacional baseado em competências; volta dos centros de qualificação em sobreposição às Faculdades de Educação e Universidades)
Apresenta como eixos da qualificação do ensino público: 
1.      Organização da cooperação federativa na educação, que se daria por meio de
a.      Sistema nacional de avaliação e de acompanhamento (de novo: metas, bônus, responsabilização) 
b.      Mecanismo para redistribuir recursos e quadros de lugares mais ricos para lugares mais pobres (a redistribuição dos recursos seria por meio do financiamento das ideias propostas no próprio documento Pátria Educadora)
c.      Procedimentos corretivos para consertar redes escolares locais "defeituosas"
 (não se refere apenas ao conserto de prédios, mas de pessoas e processos)
       2. Reorientação do currículo e da maneira de ensinar e aprender (substitui conteúdos por competências, chamando-as de "aprofundamento seletivo").
      3.Qualificação de diretores e de professores (cria mais uma instância de formação - Centros de qualificação de diretores e professores, avaliação nacional de professores sob o pretexto das diretrizes nacionais e concurso público nacional, mas não para uma única carreira)
 4. Aproveitamento de novas tecnologias (nenhuma novidade)

Já que toda a pátria é educadora, evidentemente, a pátria educa por meio dos valores que conserva e repassa por meio de suas práticas e discursos. Talvez a ideia de pensar “qual pátria educadora temos sido e qual pátria educadora queremos ser” poderia ter sido mais produtiva, do ponto de vista de reconhecer o que temos acumulado: como certa cultura diversa nacional; incansável prontidão para o trabalho que nos faz uma entre “as maiores economias do mundo” (Mangabeira, Documento Pátria Educadora, 2015), e esperança de que, um dia, para os que trabalham, tudo vai melhorar. O debate já seria um grande e bom processo, porque nos ajudaria a identificar coletivamente nossos avanços e avaliar criticamente nossas fragilidades no que se refere não ao que apenas as escolas fazem, mas ao que faz o país em relação ao processo educacional do seu povo (que se dá pela mídia, pelas instituições públicas - não só escolas -, pela cultura nacional nas suas mais diversas expressões, etc). Poderia ter sido um documento e uma proposta que apontasse caminhos a avançar na educação do país, focando não apenas nas ações das escolas (embora as incluíssem, é claro): saúde, cultura, ciência e tecnologia, comunicação, todos poderiam ter ações a serem desenvolvidas, com foco na educação popular, em defesa da igualdade social, do combate à discriminação, do apoio ao trabalho, da unificação de esforços, do desenvolvimento de visão de bem comum e público, enfim, tantas outras questões que sabemos ser preciso, enquanto uma “pátria educadora” para uma vida mais solidária, respeitosa, democrática, o que implicaria, por vezes, deseducar, refazer, propor outro conteúdo e forma.

Metodologicamente, se o recorte foi no ensino básico, como sai um documento preliminar sobre o tema da educação entendida em seu sentido restrito escolar sem a participação do MEC? Sem a participação daqueles que fazem a educação escolar neste país? Sem professores e pesquisadores da área? O conhecimento pedagógico, o conhecimento da escola em si, para além de seus números, não conta? O conhecimento das universidades públicas que trabalham na formação de professores não é importante? O documento poderia ter sido dialogado com o campo que tem sustentado, por meio do seu trabalho, a educação pública do país. Poderia ter resgatado o que o Congresso mutilou do PNE. Poderia ter, ao menos, reforçado as políticas em andamento que reúnem escolas e Universidades em ações coletivas e partilhadas, como Pibid, universalizando as bolsas, resgatando também a potência das bolsas PIBIC para as graduações em licenciaturas, buscando a formação integrada entre pesquisa e extensão, com foco no trabalho das escolas públicas. Poderia ter sido um potencializador de Programas como Escola de Gestores, Pibid, Pibic, articulando ações entre o MEC, a CAPES e as Escolas. Traria propostas mais embasadas na realidade e necessidade das escolas públicas de ensino básico, nas experiências e Programas de sucesso. Tocaria em aspectos já conhecidos e razoavelmente acordados como referencias de um "bom ensino" (ibidem e todas as aspas daqui para frente se referem a citações literais do documento), como as condições de trabalho (incluídas a remuneração e o tempo efetivo de docência e planejamento) das escolas de ensino básico federais. Para o desenvolvimento de política de qualidade não precisamos de “mística nacional capaz de despertar adesão e arrebatamento” , isto pode servir (talvez) para paixões pessoais, passionais. A qualidade da política precisa vir do quanto melhor ela tornará a vida das pessoas, congregará a comunidade, e, como já disse Boaventura, o quanto incluirá aqueles que serão atingidos pela política na discussão e construção da mesma. Ao menos do ponto de vista da construção de uma sociedade democrática, estes parecem ser critérios básicos de uma boa política.

Este Blog apoia a Presidenta da República, mas, no que se refere ao documento preliminar apresentado, considera-o inapropriado politicamente, circunscrito nas políticas dos reformadores empresariais da educação, com tom autoritário, raso do ponto de vista pedagógico, agressivo para com os professores do país, as Universidades e, ainda, para com Programas como o Pibid, sequer conhecidos razoavelmente pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência. As críticas serão explicadas e encaminhadas para o Ministro que disponibilizou o e-mail mangabeira@presidencia.gov.br , assim que concluídas.

Por incompetência desta blogueira (não sei publicar pdf aqui), o documento na íntegra pode ser obtido no Blog do Prof. Freitas, que faz uma análise detalhada de todo o documento:


Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom Andréa. Vamos ler em nosso grupo de pesquisa!