Publicamos a seguir a íntegra da Carta do Rio 2014, expressão da oposição dos Coordenadores de Pós-Graduação em Educação no país em relação ao favorecimento de políticas que retiram verba da educação pública para promover ações de interesse privado.
Rio
de Janeiro, 4 de dezembro de 2014.
Ref.: Carta do Rio – FORPRED/2014
Excelentíssimo Senhor
Ministro
da Educação (Brasília, DF);
Excelentíssimo Senhor
Presidente
da Capes (Brasília, DF);
Excelentíssimo Senhor
Presidente
da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados (Brasília, DF);
Excelentíssimo Senhor
Presidente
da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal (Brasília, DF).
Excelentíssimos
Senhores,
O Forpred - Fórum Nacional dos Coordenadores de Programas
de Pós-Graduação em Educação - congrega 159 Programas, aproximadamente 3.000
professores e 10.000 pós-graduandos. Reunido na cidade do Rio de Janeiro, entre
os dias 3 e 4 de dezembro de 2014, deliberou por aprovar e encaminhar a
presente manifestação diante dos atuais rumos que têm sido dados ao
financiamento à pesquisa e aos encaminhamentos à dinâmica da Pós-Graduação no
Brasil.
As discussões feitas durante a
referida reunião foram marcadas por preocupações com três episódios que, embora
distintos, parecem ter alguma articulação entre si.
O primeiro evento que chamou a
atenção dos(as) coordenadores(as) de Pós-Graduação em Educação foi o
pronunciamento do Presidente da Capes, Jorge Almeida Guimarães, realizado em 22/09/2014,
na Academia Brasileira de Ciências (ABC), no qual apresentou a proposta de
contratação de professores por meio de Organizações Sociais (OS) e não pelo
regime jurídico único. Ao alegar a necessidade de maior eficiência da
administração pública e de condições adequadas para promover a
internacionalização, o dirigente da Capes informou, ainda, no mesmo
pronunciamento, que o Ministro da Educação autorizou avançar na formulação e
consecução da proposta, que tem como uma das referências no âmbito nacional o
IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), que é tido como uma OS com
experiência nesse procedimento e que tem grande parte dos funcionários
contratados pelo regime da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).
O segundo acontecimento preocupante
aos pesquisadores foi a parceria firmada entre a Capes e o Instituto Ayrton
Senna (IAS) para a criação do “Programa de Formação de Pesquisadores e
Professores no Campo das Competências Socioemocionais”, iniciativa
rechaçada pela comunidade científica da área da educação, conforme consta no
documento da ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação), datado de 07 de novembro do corrente ano e intitulado “Carta aberta
à comunidade acadêmica e aos representantes de Secretarias e órgão do
Ministério da Educação sobre avaliação em larga escala de habilidades não
cognitivas de crianças e jovens”. Trata a citada Carta de
“[...] rejeitar a adoção, como política pública, do programa de medição
de competências socioemocionais, denominado SENNA (Social and Emotional or
Non-cognitive Nationwide Assessment), produto de iniciativa do Instituto Ayrton
Senna em parceria com a OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico)”.
Somados a esses dois fatos, o
terceiro evento, de significativo impacto negativo entre os dirigentes de
Programas de Pós-Graduação em Educação no Brasil, é a liberação de R$ 247,5
milhões do MEC à OS (Organização Social) intitulada IEPASD (Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Santos Dumont), pelo
contrato assinado em julho do corrente ano, relativo a um projeto articulado
pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, pesquisador da Universidade de
Duke (EUA) e criador do exoesqueleto mostrado ao público pela primeira vez na
abertura da Copa do Mundo de 2014. O contrato visa à construção de um centro de
ensino e pesquisa em neurociência e neuroengenharia em Macaíba, no Rio Grande
do Norte, sendo que parte dos recursos está destinada à contratação de
profissionais para nele atuar em várias áreas. A totalidade dos recursos foram
contratados para serem disponibilizados em 4 anos, segundo informações
divulgadas, mas R$ 42 milhões já foram liberados com a interveniência da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O valor é demais vultoso para apenas um projeto, sobretudo, se
ponderado que o contrato do MEC com o IEPASD equivale a mais de 50% dos
recursos previstos ao próximo Edital do ProInfra, que procura atender às
demandas de infraestrutura para a pesquisa no País. Os coordenadores ligados ao
Forpred resistem em acreditar que o repasse de verba para a referida OS foi
feito fora dos expedientes consolidados na tradição científica brasileira, os
quais contemplam a publicação de Editais ou Cartas-consulta, com a devida enunciação
dos critérios de liberação de recursos e de avaliação dos projetos por
especialistas, o que tem colaborado decisivamente para os avanços da ciência e
da Pós-Graduação na última década no Brasil. Daí o fato ter causado profundo
estranhamento na comunidade científica brasileira, parte da qual se manifestou
recentemente por meio da Carta da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência) endereçada ao Ministro da Educação e datada de 26 de novembro de
2014.
Por isso, cientes da necessidade de incentivar e otimizar as
condições de ensino e pesquisa no Brasil via políticas públicas de
financiamento, mas sustentadas na indispensável transparência e democratização
na formulação e implantação desse processo, os coordenadores de Programas de
Pós-Graduação em Educação, articulados pelo Forpred, solicitam:
1) ao Ministro da Educação
e ao Presidente da Capes, que respondam as
seguintes questões:
a) quais foram os
critérios utilizados na avaliação do projeto do IEPASD (Instituto de Ensino e Pesquisa
Alberto Santos Dumont)?
b) O
procedimento de contratação de OS para gerir iniciativas científicas e
educacionais se materializa como uma nova política de fomento à pesquisa e ao
ensino no Brasil? De outro modo, pergunta-se: os
recursos públicos destinados à pesquisa, ao desenvolvimento tecnológico e às
ações educacionais contarão, daqui em diante, com outro expediente para a
liberação, para além dos Editais e das Cartas-consulta, que se consolidaram
nacionalmente no âmbito das políticas de fomento?
2) aos presidentes das
comissões de educação da Câmara dos Deputados e do Senado, que:
a) informem se esse debate
sobre a contratação de OS para a gestão de políticas públicas de fomento à
pesquisa e ao ensino no Brasil está sendo acompanhado pelas referidas Comissões.
b) Caso o debate esteja
sendo feito pela Câmara de Deputados e pelo Senado, informem qual tem sido a
dinâmica do processo, uma vez que interessa ao Forpred dele participar.
Ao reiterar o compromisso histórico do Forpred com a construção
da pesquisa e da educação pública e de qualidade social, o que só é possível
com transparência e participação democrática na formulação e implantação de
políticas, aguardamos a manifestação de suas excelências e colocamo-nos à
disposição ao diálogo.
Atenciosamente,
Profa. Dra.
Márcia Ferreira
Coordenadora
do Forpred
Prof. Dr.
Samuel Mendonça
Vice-coordenador
do Forpred
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