"Varrer" e "aniquilar": a apologia do
extermínio dá as caras na eleição
A direita que jura viver em uma ditadura é a primeira a
agredir, verbal ou fisicamente, quem não vota como ela
por Matheus Pichonelli <http://www.cartacapital.com.br/Plone/autores/Matheus-Pichonelli> — publicado 17/10/2014 12:08
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No caso das ameaças ao ator e escritor Gregório Duvivier,
o agressor tinha a cartilha decorada, aquela tentativa rocambolesca de juntar
as palavras “perigo”, “vai pra Cuba”, “ditadura”, “esquerda caviar” e
“roubalheira” sem necessariamente criar um raciocínio
O ex-presidente desconfia da capacidade cognitiva de quem
não vota como ele. A colunista do jornalão nem desconfia: tem certeza de que
parcela da população é incapaz de apertar os botões 1 + 3 + Confirma – e isso,
aposta ela, teria efeito considerável no resultado das urnas. O ator global
acha que votar no atual governo equivale a contrair ebola. E o colunista que
defende em público o seu voto no governo, com ou sem ebola, é escorraçado no
restaurante que não deveria frequentar - pois quem defende pobre e come caviar só
tem direito a comer baratas, e não a defender que todos, inclusive ele, comam o
que quiserem e quando quiserem.
A sequência de episódios diz mais, muito mais, da
virulência de um mundo em desordem do que supõe o marketing político dos dois
finalistas deste segundo turno. O descolamento da realidade parece ser um
fenômeno inescapável dos tempos atuais. A arrogância e a falta de autocritica,
também.
Mas a virulência, nessa história, tem lado. A direita que
jura viver em uma ditadura (gayzista, bolivariana, da insegurança, etc) é a
primeira a agredir, verbal ou fisicamente, quem não vota como ela. É
sintomático. No caso das ameaças ao ator e escritor Gregório Duvivier, o
agressor tinha a cartilha decorada, aquela tentativa rocambolesca de juntar as
palavras “perigo”, “vai pra Cuba”, “ditadura”, “esquerda caviar”, “roubalheira”
sem necessariamente criar um raciocínio. Quem jamais defendeu o regime
castrista que se vire: no estigma não cabem ponderações, a não na base do
bíceps.
Quando falo sobre esse grupo, não me refiro aos que se
dizem cansados do atual governo, que defendem reformas no sistema tributário e
aceitam a diminuição do papel do Estado em prol de uma tal competitividade
empreendedora. Posso discordar, mas acho compreensível e legítima a
contraposição ao atual projeto de governo. Mas uma coisa é se opor. A outra é
se opor à existência do projeto, dos arquitetos do projeto e de apoiadores do
projeto.
Nas ruas, postes, posts e vidros de carros blindados, a
opção de voto chega acompanhada de um imperativo, quase sempre expresso nas
conjugações dos verbos "varrer", "eliminar",
"exterminar", "expulsar", "aniquilar". Varrer,
eliminar, exterminar e aniquilar quem, cara pálida? Quem não vota como você?
Não basta votar contra, é preciso mesmo exterminar? Em que momento da História
esta disposição ao justiçamento acabou bem?
Não importa. Basta deixar o interlocutor à vontade para
falar, de preferência em sua área de conforto, sua roda de amigos, a varanda de
sua casa, amparado por um copo de chope ou uísque, e o resultado será o velho
delírio autoritário de quem se refere ao outro como o "inimigo". São
os mesmos que chamam os organizadores de rolezinho de “cavalões”, que
questionam se o aeroporto virou rodoviária, que dedica parte do seu Natal para
questionar o Natal de presidiários, que dizem ser compreensível amarrar, bater
e prender no poste o jovem infrator que não se emenda, que bate em manifestante
com bandeira de partidos em protesto, que acha que corrupção tem um lado só e
se combate com vermífugo. É como definiram nas mesmas redes que hoje concentram
o ódio: não dá para discutir Bolsa Família com quem ainda não aceitou a Lei
Áurea. No Brasil os viúvos do escravismo se aglutinam em multidões. Como diz a
música: eles são muitos, mas não podem voar. Mas vociferam quando se veem na
rabeira da História.
O caráter higienista da arrogância social travestida de
posicionamento político deixou claro, mais que claro, o quanto o espaço ao
contraditório é apenas uma miragem em um país que não parece ter assimilado as
tragédias de suas experiências autoritárias. Um tempo em que, diante da
projeção inflacionada do chamado “mal maior” (as reformas – comunistas? – de
base de ontem são o “mar de lama” de hoje), aceitava-se a mediocridade, a lama,
a bota, o chão, o silêncio. A indigência de hoje não é outra se não a
consequência de um passado não-esclarecido, de um presente que se nega a expor
os horrores da supressão de direitos diluídos na escuridão das masmorras e dos
centros de tortura.
Porque, na vida real, seguimos torturando e aceitando que
tortura em corpos alheios é refresco (ou vacina): presos morrem confinados sem
direito a julgamento, pobres são diariamente humilhados ao circular ao arrepio
da ordem, manifestantes tomam balas de borracha no olho quando questionam que
ordem, afinal, é essa.
Mas algo parece estranho quando o mesmo eleitor que
condena o que chama de Bolsa Esmola, os programas de inclusão na universidade e
a chegada de médicos à periferia faz uma defesa tão apaixonada por quem jura de
pé junto não mexer em nada disso. Essa direita, porta-voz dos preconceitos e
das soluções autoritárias, não é só violenta. É míope e surda.
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