quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Os ciclos representam mais que a não reprovação escolar II

Continuando a discussão iniciada em junho neste Blog, os ciclos representam uma forma diferente de organizar a enturmação das crianças e jovens na escola porque, compreendendo que o conhecimento não precisa ser assimilado de forma fatiada, propõe que consideremos as possibilidades de desenvolvimento a cada faixa etária na proposição das atividades escolares. Atividades, neste caso, referem-se a um conceito trabalhado por Leontiev, Davidov, Vygotski.
Uma das especificidades do conceito de atividade é a incorporação do sentido para aquele que aprende ao pensarmos sobre o que vamos estudar.
Esquematicamente, poderíamos dizer que o trio russo parte destes entendimentos:
1. O ser humano é um ser social, assim "o que é o seu meio para o organismo e como este meio se manifesta para ele" (LEONTIEV, 2004, p. 171) forma-o enquanto humano. O seu meio, enquanto espécie e enquanto cultura - filogênese e ontogênese - não é somente físico e biológico, é, também e essencialmente, social.
2. Não abstraímos o sentido das coisas sem o fenômeno da comunicação.
As funções psíquicas do ser humano são mediatizadas pelo outro, por meio da comunicação. Os processos intelectuais são, primeiramente, "interpsicológicos" (o outro no processo de mediação ajuda a formar o meu pensamento sobre as coisas). Primeiro interpsicológico, depois intrapsicológico. O desenvolvimento e a aprendiagem dão-se por meio da linguagem. A palavra é entendida como símbolo abstrato que media nossa relação com a sociedade. A palavra expressa a relação ato-pensamento (primeiro ato, depois pensamento), constrói ideias, formas de representação abstrata e possibilita interação e integração. A linguagem é impossível de se compreender separada da cultura e a inteligência expressa na capacidade de transformar circunstâncias em função das nossas próprias circunstâncias. (MERANI, 1972)
3. O ser humano não apenas se faz no seu meio, mas o transforma e, ao transformá-lo, transforma a si mesmo. A experiência sócio-histórica de que o ser humano se apropria "acarreta uma modificação da estrutura geral dos processos do comportamento e do reflexo, forma novos modos de comportamento e engedra formas e tipos de comportamento verdadeiramente novos. Razão porque os mecanismos do processo de apropriação têm a particularidade de ser mecanismos de formação dos mecanismos" (LEONTIEV, 2004, p. 191).
A educação é o processo por meio do qual o ser humano apropria-se da cultura e, ao apropriar-se cria necessidades outras, a transforma e, ao transformá-la, transforma-se.
A atividade, compreendida com este referencial teórico, está inserida no universo cultural do estudante, permite-lhe o diálogo com sua linguagem (não poderia ser diferente disto, se é proposto um diálogo), reconhece seus símbolos, suas interpretações e permite-lhe ser mais, por meio da interação que lhe possibilita com culturas outras.
Bibliografia citada:
LEONTIEV, Alexis. O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Centauro, 2004.
MERANI, Alberto L. A conquista da razão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.

Um comentário:

Ester Assumpção disse...

Excelente texto! Hoje, 31 de agosto, assisti a propaganda eleitoral do prefeito candidato a reeleição e o que parecia impossível piorar, piorou... Os argumentos a respeito do fim da "aprovação automática" usados como bandeira de campanha, são revoltantes. Muito triste ver professores e gestores ratificarem o discurso liberal eleitoreiro...